José Maria Nascimento e a Morta Lepidóptera


Na urbe via de passos e pisadas
Sob o sol, bela e quase esmagada
Morta rente beira das calçadas
Jaz uma robusta borboleta anilada

Que mirando interrompi meu passeio
Vendo o seu belo azul aveludado
A ponta do pé, toquei por receio
Pensando em guardar seu cadáver ornado

Ladeando a Igreja de São João, vigário
Pensei como teria ela morrido?
Tombato de acima do campanário?
Ou de algum cravo peçonhento bebido?

Breve, tive logo de me apressar.
Pois que de várias tarefas lembrei
E a esta mortuária voadora abandonar
E aprumando o passo a deixei

Sem exulto, nem paz, nem calma
Problemas a resolver demais
Que lembrando torturam-me a alma
Mesmo andando na “Rua da Paz”

Me vem atrás outro transuente
Elegante em cabelos de lã, um nobre senhor
Olhou-me cutucando a lepidóptera decadente
Lembrou-me do brio de meu finado avô

Deteve-se à contemplar a miúda criatura
Apenas admirando, pensei eu
Mas acolheu às mãos com candura
Num gesto mais nobre que o meu

Entretido põe-se a fita-la
Como menino ao ver brinquedo
Ou um deus tentando ressuscita-la
De vislumbre, sem pranto ou medo

Que deverá ser tal caridade?
Pois pior que da borboleta a morte
É o tamanho da minha curiosidade!
Sem tempo de perguntar! Sem sorte!

Perguntarei a ele depois sobre isso...
Seria a borboleta inspiração dum tema?
Mas a resposta, de veras nem preciso...
Lhe escreverei uma carta em corpo de poema.

“- Passando na Rua da Paz
Que fizestes poeta tu?
“- Com as tuas mãos emparelhadas
Cataste a borboleta azul?”

Causa disso lembranças ressuscitou-me
Lembrei d’outra borboleta que havia morrido
Que muito amei e o destino tomou-me
Pensando em um amor perdido

[Escrevo]
Para agradecer de tal belo momento
Evocando-me da cintilância enlutada
Plumas azuis no meu pensamento
Que a vida deve ser valorizada

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